4 nov. 2006

É preciso avisar a malta


Até sempre, Zeca, comandante desarmado
da Sierra Maestra das nossas quimeras,
almirante das nossas utopias naufragadas.
Entramos ja num século abrupto
em que tudo o que cantaste
ha-de ter, de novo, o fulgor e o timbre
das coisa soberanas e eternas.
Assim o espero e desejo, tu sabes.
Obrigado, Zeca, por teres dado nome
à alma da nossa liberdade,
boina descaida sobre a nuca,
meio sorriso no olhar matreiro,
como quem diz, despedindo-se:
"Adeus, malta, eu qualquer dia volto,
porque ainda faz falta avisar a malta".
E eu sei que voltas, que vais voltar sob a
[ forma
de pomba, de cravo ou de voz andarilha,
talvez para as bandas da Fuzeta,
entre os indios da Meia-Praia,
talvez numa rua ingreme de Olhao,
ou numa viela de Azeitao,
ou numa esquina de Setubal,
so para lembrar que nada existe
mais à esquerda que o coraçao
e que o coraçao é a casa forte
dos sentimentos que exaltam e libertam.
Até sempre Zeca, e obrigado
por teres pintado um mural de Abril

No Maio insubmisso deste nosso amor a [ Portugal.

José Jorge Letria, in Carta a Zeca Afonso, Garrido Editores, Março de 2002

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