12 janv. 2008

ADRIANO - Aqui e Agora, o Tributo

"Não há amor como o primeiro. No caso de Adriano Correia de Oliveira, as pernas tremeram-lhe e o estômago fez-se frio com a poesia, antes de tudo o resto. "Desembarcado" em Coimbra, vindo da vila de Avintes - onde fizera crescera e "adolescera" - encontrou no meio académico da cidade um efervescente ambiente contestatário, idealista, de combate anti-fascista. Mais que na música, naturalmente, era na palavra (cantada) que residia o verdadeiro acto subversivo e de apelo à consciência e à resistência das massas. Só depois viria a guitarra e o fado de Coimbra. Só depois viria aquela voz grave e majestosa, capaz de secar tudo o que havia à sua volta. aquela voz que impunha o silêncio, aquela voz que Adriano oferecia a todos sem exigir nada em troca. Poeticamente - Adriano teria apreciado provavelmente a ironia - haveria de morrer nos braços da mulher que o trouxe ao mundo, na Avintes que o formou, fechando um ciclo de vida criminosamente curto.
A morte de Adriano teria sido sempre precoce. Mas foi-o ainda mais quando não lhe permitiu ultrapassar as quatro décadas de vida. " Era o melhor de nós todos, dizia Fausto. Apesar da afirmação, a verdade é que as suas canções cairam no esquecimento e para toda uma geração de músicos e de público, ficaram trancadas numa memória longínqua. Passaram a ser apenas um murmúrio. A distância de uma mão e ainda assim inacessíveis. Adriano ficou preso ao 25 de Abril e só aqueles que viveram com consciência esse período guardaram uma imagem do homem generoso que nunca se furtava a tocar no lugar mais improvável do país. Onde houvesse gente que o quisesse ouvir, ele estava lá.
Adriano Aqui e Agora - cujo título se inspira no marcante disco que Adriano lançou em 1971 e que constituiu um dos quatro álbuns do "Outono mágico de 71" (a par de lançamentos de José Afonso, José Mário Branco e Sérgio Godinho) - tenta repor a justiça. Tenta lembrar pela mão de músicos de hoje (que em alguns casos nem eram sequer nascidos quando Adriano morreu, há 25 anos) a urgência e premência das suas canções. Tenta recordar que houve um homem que marcou a música portuguesa e que a música portuguesa votou a uma estranha e inexplicável amnésia. E mostra sobretudo o resultado da admiração profunda de músicos que raramente conheciam a fundo a obra de Adriano. Só por isso, pela descoberta provocada em todos estes nomes e rendição imediata àquela voz imponente já valeria a pena. A isso acresce o prazer de saber que, a partir deste momento, terminado o disco e dado a escutar, essa descoberta se multiplicará e cumprirá finalmente o seu propósito: o de ressoar sempre e garantir que a frase batida de que a obra sobrevive ao artista é mais do que uma ideia romântica que gostamos de alimentar. Se as nossas mãos pouco puderam fazer para evitar o fim precoce de Adriano, cabe-lhes agora a justiça de lhe emitir um passaporte para a eternidade."

Gonçalo Frota

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