Hora H
Ao fim de uma semana de campanha e a cinco dias do Referendo sobre a despenalização do aborto, já é possível fazer um balanço. A primeira constatação é que muita coisa mudou nestes oito anos e meio: o NÃO vencedor em 1998, por uma estreita margem, carrega às costas um pesado fardo que bem tenta alijar, mas sem êxito. Na nossa memória colectiva estão as imagens dos julgamentos de mulheres na Maia, em Setúbal, em Aveiro, em Lisboa… Eis o resultado inevitável da actual lei que investiga, devassa, julga e criminaliza as mulheres vítimas de aborto clandestino com uma pena de prisão até três anos, segundo o artigo 140.º do Código Penal. Os que hoje querem que tudo fique na mesma são os mesmos que em 1998 MENTIRAM com todos os dentes quando garantiram que mais nenhuma mulher seria julgada – e uma mentira com dolo, pois sabiam que nada podiam prometer.
Hoje, vendo que o povo português abomina estes julgamentos que nos colocam na cauda da Europa, vêm com falinhas mansas repetir a mesma mentira. Primeiro foi o prestidigitador Marcelo no site “Assim Não”: em causa não estaria a despenalização do aborto, mas sim a sua liberalização. Dele tratou, de forma exemplar, Ricardo Araújo Pereira na rábula do “Gato Fedorento”. Pergunta a menina de Cascais: “O aborto é uma coisa extremamente horrível, não é, professor? É! E devia ser proibido? Exacto! Mas eu poderia fazê-lo? Podia! E o que é que me acontecia? Nada!”.
À boleia de Marcelo vem, no último fim-de-semana, Marques Mendes prometer uma alteração ao Código Penal, desde que o NÂO ganhe… “Ganda nóia!” Só que o PSD foi governo durante três anos e nada fez para reduzir as penas e, menos ainda, para evitar os julgamentos de mulheres. Pior: em 2005, com o CDS, votaram contra uma petição de mais de 120 mil cidadãos que solicitava a realização de um novo referendo sobre o aborto. Ou sejam: querem que tudo fique como está!
Na mesma onda de uma pseudo despenalização, um novel intelectual português, recentemente doutorado em Navarra, declarava ao “Expresso” de 27 de Janeiro: “O aborto deve ser um crime sem pena. É um problema de consciência. Sou pela despenalização, mas há que reprovar a sua prática.” Adivinhe quem é o autor: já morou em Belém mas regressou á Madre de Deus. Exactamente: Ramalho Eanes. Crime sem pena? Julgará o senhor general que vive numa república das bananas? A coisa soava mais autêntica quando o homem das patilhas ainda usava óculos escuros…
Na mesma linha, as deputadas independentes do PS, propõem que não haja pena de prisão efectiva, desde que a mulher se confesse criminosa e peça perdão á sociedade; nesse caso, a prisão poderia ser substituída por uma espécie castigo de “serviço social”. Ainda me consigo espantar com esta proposta, vinda de mulheres inteligentes e supostamente caridosas, como Maria Rosário Carneiro: querem impor uma penitência à mulher, confundindo o Estado com o Templo! Deviam reflectir nas palavras de Jesus Cristo: “A César o que é de César e a Deus o que é de Deus”.
Infelizmente, continuam a encarar-se a si próprias com o complexo das “filhas de Eva” – a primeira pecadora – e desconfiam do livre arbítrio da mulher que só pode trazer “perturbação” à sociedade. A que distância ficam do artigo notável de Frei Bento Domingues “Por opção da mulher”: “Para os cristãos, esta desconfiança em relação às mulheres deveria ser insuportável. Não foram as mulheres que testemunharam que Jesus estava vivo, quando os Apóstolos já tinham concluído que estava tudo acabado? Não foi Maria Madalena a escolhida, por Jesus para evangelizar os Apóstolos?”.
Basta de hipocrisia! Quase prefiro a franqueza de um Fernando Santos ou de um Gentil Martins que defendem que uma mulher, mesmo vítima de violação ou transportando uma malformação do feto, deve ser obrigada a carregar a gravidez até ao fim! E condenada a pena de prisão, pois claro, se ousar interrompê-la. Há uns séculos, iriam para a fogueira. Hoje, podem dar-se por satisfeitas por irem parar às Mónicas ou a Custóias… Mas essa ameaça só pode ser definitivamente varrida com a vitória do SIM no próximo dia 11 de Fevereiro.
Em julgamento vão estar também a ausência duma verdadeira política de planeamento familiar e de uma educação sexual realista e desinibida. No banco dos réus, entre outros, estão Mariana Cascais e Bagão Félix, o ministro mais anti-social desde o 25 de Abril e que hoje chora lágrimas de crocodilo pelos gastos com a despenalização do aborto… O povo não pode desperdiçar esta oportunidade soberana para varrer as réstias do Portugal salazarento que alguns tentam ressuscitar.
Alberto Matos – Crónica semanal na Rádio Pax – 06/02/2007
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