13 juin 2011

Carta aberta dum Albicastrense a Aníbal Cavaco Silva

Carta aberta dum Albicastrense a Aníbal Cavaco Silva

Caro Aníbal Cavaco Silva,

Nasci em Castelo Branco, cidade que estas a ocupar com o exercito para celebrar o dia de Portugal, de Camões e das comunidades portuguesas a qual já chamaste "dia da raça portuguesa" como o Salazar o tinha feito antes de ti.

Nos teus discursos que aí proferiste, começaste por dizer que o povo português estava doente : “Eu espero que nós queiramos ser curados e que sejamos capazes de responder aos desafios que temos à nossa frente” . E para os recalcitrantes :  “não há cura para aquele que não quer ser curado”.

Caro Aníbal Cavaco Silva, o povo não está doente, está pobre (isto para não dizer com fome). O povo português já não sabe como aguentar a pobreza que lhe è imposta. E quando evocando o povo da Beira Baixa apresentas "a sua frugalidade e o seu espírito de sacrifício são modelos que devemos seguir num tempo em que a fibra e a determinação dos portugueses são postos à prova", acho que não auguranada de bom. O que chamas "frugalidade" è simplesmente miséria. A Beira Baixa sempre foi uma terra de miséria, de fome e, com sequência, de emigração. Será esse o futuro que desejas para Portugal ?

O povo já não acredita em ti, como nos outros. Nessas ultimas eleições houve mais de 41% de abstenção o que faz que  essas eleições são as eleições com mais abstenção de toda história portuguesa. Isto também não è doença, è simplesmente uma mistura de realismo e de desespero. Mas, caro Cavaco, não te preocupes, cá encontraremos o caminho de mudar as coisas, mais a nossa maneira. Doença não há. Mas sim exploração do trabalhador, exploração antes do 25 de abril e exploração depois do 25 de abril. Falando do 25 de abril, copio aqui a palavra dum homem que nasceu em Castelo Branco e que, parafraseando o teu discurso "arriscou tudo em prol da sua comunidade" :

"Queremos aqui proclamar que o povo português, verdadeira e única fonte de soberania, não concede a essa Assembleia da República, independentemente da composição que venha a ter, o poder de entregar a Soberania Nacional, tendo, ao contrário, o dever e a responsabilidade de se opor firmemente a tais desígnios"
Vasco Lourenço 25 de Abril 2011

No segundo dia que estiveste em Castelo Branco, quiseste insistir sobre duas das tuas temáticas favoritas, o empenho do jovens na sociedade e as guerras coloniais. No 15 de março passado apelaste para que os jovens se "empenhem em missões e causas essenciais ao futuro do País com a mesma coragem, o mesmo desprendimento e mesma determinação com que os jovens de há 50 anos assumiram a sua participação na guerra do Ultramar". Caro Cavaco, os jovens portugueses estão empenhados na sociedade portuguesa, o Estado português è que não está empenhado em criar condições para que eles possam ficar a viver nela. Com efeito, cada ano, varias dezenas de milhares de jovens portugueses, formados ou não deixam o seu país para ir a viver noutro onde possam trabalhar e criar as condições duma vida condigna. Achas lógico e ético que a juventude portuguesa tenha que emigrar ?

Caro Aníbal Cavaco Silva, hoje a juventude foge de Portugal como nos anos onde ela fugia para não ir morrer nas guerras coloniais que tu realças como sendo um momento de glória da nossa história. Os heróis são aqueles que fugiram. Viva os desertores !

Para finalizar esta carta, que acaba por ser um desabafo - tenho que confessa-lo - há muito tempo ruminado, gostava de comentar as frases que usou neste "glorioso" dia de Portugal. Falou que o soldado português foi "um soldado de excepção na disciplina, na camaradagem e no patriotismo, no relacionamento com as populações e na própria  interação com o inimigo".

Estranhamente, não foi o que me contaram todos os homens da minha família, com a idade do meu pai, que foram obrigados a partir para as antigas colónias portuguesas. Descrevendo as condições de vida do soldado só me falaram em fome, doença, amputações, de drogas que eram obrigados a tomar para aguentar e de medo. No que toca ao "inimigo", só me falaram de putos mortos a beira da estrada, populações civis esfomeadas, de napalm, de órfãos.

O meu avô materno, que tinha demasiado idade para ir para o "ultramar", contava-me a única lembrança real que ele tinha da guerra colonial. Contava-me que quando os soldados partiam, organizava-se uma cerimonia orquestrada pelo Estado Novo ali mesmo onde proferiste o teu discurso. Nessa praça que deslumbraste do teu pelouro, caro Cavaco Silva, estavam os soldados albicastrenses, filhos do povo, em continência e milhares de mães a chorarem por não saberem se os filhos iriam voltar. E muitos deles não iriam voltar.

Caro Aníbal Cavaco Silva, quando dizes "Portugal não pode esquecer aqueles que morreram em seu nome" em Castelo Branco, lembra-me o meu avô a contar-me quando o povo de toda a beira baixa ia esperar na estação de comboios os caixões que chegavam de Angola ou de Moçambique. Mulheres e homens de luto que choravam e que esperavam lá atè chegar o comboio de Lisboa. Ficaram sem poder ver o corpo dos filhos. Com efeito, já nem se podia abrir o caixão.

Caro Cavaco Silva, com esse discurso, ofendeste todas as gerações dum povo. Ofendeste a nossa memória e o nosso futuro.

Como dizemos na Beira Baixa,

Bem haja.


Hugo Dos Santos 

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