Por Alberto Matos
Ontem tive o privilégio de participar no jantar que reuniu em Almada dezenas de amigos do Luís Miguel Figueiredo – o jovem que, há 13 anos, foi atingido por uma bala junto ao viaduto do Pragal, perto das 3 horas da madrugada que sucedeu ao buzinão e grande bloqueio da “Maria da Ponte”. Entre vários depoimentos que nunca cheiraram a “discurso”, destaco o poeta e resistente antifascista Alexandre Castanheira, do Laranjeiro, que retratou em verso a atitude corajosa e o amadurecimento do Luís Miguel face aos obstáculos que a vida lhe vem colocando.
Aquele São João de 1994 marcou, de forma indelével, a vida das gentes de Almada, da Margem Sul e do país. Aos 18 anos, o Luís iniciara-se nas lides de servente da construção civil. A curiosidade que o atraiu (a ele e a milhares de jovens) ao teatro dos acontecimentos foi uma espécie de atracção fatal. Estava, estávamos, muito longe de adivinhar aquele cenário de terror: 25 balas disparadas à queima-roupa, do outro lado da rua, uma das quais o haveria de prostrar à porta da SRUP – a velhinha Sociedade Recreativa União Pragalense.
Dias depois, na primeira visita que a primordial Comissão de Utentes da Ponte 25 de Abril lhe fez, no Hospital Garcia de Orta, a primeira pergunta do Luís Miguel revelava a têmpera do seu carácter: “Então, valeu a pena? Quando é que acabamos com a maldita portagem?” Ninguém lhe podia responder com exactidão. Mas aquele momento único selou o pacto de solidariedade entre uma luta que iria conhecer patamares inéditos em Portugal – de verdadeira desobediência civil – e a primeira vítima da repressão brutal que mobilizou as forças de choque do regime e as “secretas”, herdeiras da velha PIDE, contra a cidadania emergente na transição do século e do milénio.
É certo que a portagem ainda não acabou; mas a vida do Luís nunca mais foi a mesma. A luta pela reabilitação física terá limites, mas não está terminada; e, do ponto de vista psicológico e humano, sobretudo, o Luís Miguel fez um percurso gigantesco, proporcional aos quilómetros já percorridos e planeados: na longínqua e misteriosa China, submeteu-se durante quase um ano a terapêuticas de massagem e de acupunctura, descobrindo o mundo maravilhoso da pintura, das telas e dos pincéis; desenvolveu um estilo próprio e conquistou, por direito próprio, um lugar em dezenas de exposições individuais e colectivas, de Norte a Sul do país. As rotas da reabilitação poderão passar ainda por Cuba ou pelo Japão: o mundo tornou-se, definitivamente, o horizonte do Luís Miguel.
A par deste percurso de crescimento pessoal, as batalhas pela justiça não foram descuradas: não só a reparação possível dos danos causados mas, acima de tudo, para que crimes desta natureza não mais sejam possíveis nem fiquem impunes neste país onde Abril tem apenas 33 anos. Do ponto de vista criminal, o processo chegou a um impasse, apenas porque não se conseguiu determinar o nome de quem puxou o gatilho que disparou aquela bala; mas não restou a mínima dúvida de que ela partiu das forças policiais: os próprios agentes da PSP de Almada assumiram a autoria dos 25 disparos. Resta o processo de indemnização cível: neste plano, a responsabilidade do Estado é absolutamente incontornável. Depois de todo o calvário processual, as alegações finais no Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa foram há um ano; mas a sentença continua por lavrar…
Os caminhos da Justiça são lentos, às vezes parecem insondáveis. Mas um Estado que se preza e se diz de direito não pode ser irresponsável. Até porque, se não conseguiu identificar o autor material do disparo, sabe-se quem foram os seus mandantes, os responsáveis políticos e executivos: Ferreira do Amaral, o autor do projecto de engenharia financeira que despoletou a revolta da Ponte; Dias Loureiro, ao tempo ministro da Administração Interna; e, acima de todos eles, o primeiro-ministro Aníbal Cavaco Silva, hoje em dia “o primeiro magistrado da nação”, isto é, a figura de proa deste Estado que devia ser uma pessoa de bem mas que não dá mostra de sê-lo, nem de parecê-lo.
Depois de 13 anos de impunidade, cabe a todos nós exigir Justiça para o Luís Miguel, confrontando os governantes da época e os sucessores com as suas responsabilidades. Respondendo de novo à primeira pergunta que o Luís nos dirigiu: “Valeu a pena?”. Hoje com 31 anos e uns quilitos a mais, ainda não andas sobre as tuas pernas, mas encaras a vida de frente. É certo que a maldita portagem continua lá, como símbolo de injustiça e uma bomba ao retardador, pois “o povo do deserto” não esquece: ainda há dias, um sonoro buzinão deu a resposta apropriada a um ministro insolente.
(*) - Esta crónica oral foi lida, em 26/06/2007, aos microfones da Rádio Pax.
No entanto, só hoje - 30/06/2007 - passou à forma escrita, por absoluta falta de tempo.
A quem interessar, está a decorrer um processo de legalização de imigrantes - chamado "convolação de vistos" - que tenham entrado em Portugal (ou no espaço Schengen) há mais de seis meses, como processo de transição para a nova Lei de Imigração, já aprovada na Assembleia da República mas ainda não publicada no DR nem regulamentada.
Para estes imigrantes, já não é necessário irem buscar o Visto ao país de origem: basta um contrato de trabalho visado pela IGT e a inscrição na Segurança Social, acompanhados de uma exposição, preferivelmente encaminhada por uma associação de imigrantes, CNAI ou CLAI.
Como calculam, tem sido um corrupio, em especial por parte dos nossos irmãos brasileiros (mas não só). Está na hora, até porque as normas que regem este período de transição não são claras nem estão escritas; e há pressões de sentido oposto, resistências xenófobas e até de extrema-direita. Por isso não podemos afrouxar a pressão desta margem...
É provável que, nas próximas semanas, estas crónicas fiquem pela oralidade e não cheguem à maioria de vós. Não se preocupem, está tudo a andar... e é por uma boa causa!
Alberto Matos – Crónica semanal na Rádio Pax – 26/06/2007
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